O papel da intenção
Quando alguém
se inscreve para um curso de mindfulness, uma motivação pessoal move a pessoa:
uma vontade de mudar, desenvolver-se, melhorar algo na vida. Essa intenção
pessoal é fundamental para o sucesso, consiste no combustível e no horizonte
que estimulam a disciplina necessária para a prática diária. Excelente ter uma
forte motivação pessoal!
Mindfulness é
mais que um treino, é uma forma de estar no mundo. Podemos entendê-la como
“escolher prestar atenção plena ao momento presente como ele é”. Contando com
uma motivação pessoal forte, temos o estímulo para fazer essa escolha momento a
momento.
Sozinha, no
entanto, a motivação pessoal não é suficiente. Porque um curso de mindfulness vai
além de um mero treino de atenção plena. Afinal, a pessoa que puxa o gatilho do
revólver também precisa de total atenção. E o objetivo, definitivamente, não é
nos treinar a puxar melhor o gatilho.
Para
realmente prestar atenção plena ao momento presente como ele é, temos de
entender que o agora abraça tudo o que está acontecendo ao redor de nós,
próximo e distante, antes e depois. Ele resulta do que já aconteceu e constrói
o que irá acontecer. Ele depende de o que os outros fizeram antes, abrange como
os outros se encontram agora e influencia o que os outros vivenciarão a seguir.
Essa
inter-relação entre nós e os outros, entre tudo o que há no universo no
decorrer do tempo, torna-se bastante clara quando pensamos na crise ambiental,
com o processo de mudanças climáticas, ou nas sucessivas crises econômicas que
o mundo globalizado enfrenta. Desse ponto de vista, o que acontece na China, ou
nos EUA, ou na esquina, nos interessa e nos atinge. E, a afirmação também é
verdadeira de cá pra lá.
Praticar
mindfulness implica experienciar a condição inter-relacionada em que vivemos,
influenciando uns aos outros momento a momento, e compreender que nossa ação reverbera
continuamente em nós e nos outros. O momento presente é fluido, está em
movimento, em uma coreografia sincronizada em todo o universo, que resulta do
que veio antes, é influenciada por todas as decisões tomadas agora – inclusive
as nossas – e define as interações que formarão o próximo momento presente – o
futuro.
Com essa
compreensão, a única opção inteligente consiste em desenvolver a tranquilidade,
a alegria e a clareza resultantes do treino de mindfulness e tomar as melhores
decisões, momento a momento, em benefício de todos os seres e de todos os sistemas
dos quais fazemos parte: a família, os grupos de amigos, as organizações de que
participamos, o bairro, a cidade... o universo inteiro.
A nossa
motivação pessoal precisa estar inserida no contexto geral de uma motivação
coletiva. De qualquer forma, ela já está nesse contexto, mesmo que façamos
esforço para nadar contra a corrente.
Outubro de 2014.
O que é importante para você?
“O mais
importante é lembrar-se do que é mais importante.”
Essa frase
simples e profunda do mestre Suzuki Roshi me trouxe de volta à reflexão sobre
por que eu pratico mindfulness.
Sim, os
estudos científicos comprovam os benefícios para a saúde; as habilidades
desenvolvidas são valiosíssimas para a vida profissional; o treinamento mental
aumenta as competências emocionais e melhora os relacionamentos... e por aí
vai, em um sem fim de efeitos positivos.
A prática
diligente e disciplinada traz tudo isso. No entanto, olhando em profundidade,
sinto que esses são apenas os sintomas. Eu pratico porque busco ser feliz e
quero trazer felicidade para as outras pessoas.
Não estou
falando daquele tipo de “felicidade-bobo-alegre”, em que a gente fica
superexcitado quando consegue algo e, depois, volta a um estado mental
entediado-levemente irritado-ausente. Com mindfulness, gradativamente somos
tomados por outro tipo de felicidade: estar de bem consigo mesmo e com o mundo
a cada momento, inclusive em meio ao desconforto.
Assim, quando
em situações agradáveis, estamos totalmente presentes, amorosamente,
contemplando e desfrutando o momento. E, quando em situações adversas, estamos
igualmente totalmente presentes, amorosamente, com a mente calma e clara para
tomarmos as melhores decisões possíveis.
E como
fazemos isso? Uma dica: assista a esta belíssima palestra de Shauna Shapiro e você verá como a prática de mindfulness
aumenta não apenas a atenção, mas também a compaixão por nós mesmos e pelo
outro.
Então você
estará preparado para ler o artigo de junho, em que analisaremos mais a fundo o
que a ciência diz sobre a relação entre mindfulness, compaixão, bondade amorosa
e felicidade.
Maio de 2014.
Mindfulness,
a revolução silenciosa