O VALOR DO HUMANO
São muitas as pessoas que deixaram a humanização de lado e isso vem
contribuindo imensamente para o empobrecimento das relações humanas. O homem
nasce animal, mas se faz humano através dos relacionamentos. Por isso as
relações humanas de qualidade são um imperativo para o crescimento de toda a
sociedade. No entanto, ultimamente o que mais se vê são pessoas se
desumanizando e se tratando como objetos.
Tudo
isso pode ser visto nos programas de televisão, nos comerciais e até nas
empresas em que trabalhamos. São muitas as situações em que o homem passa de
sujeito a objeto, pervertendo as relações. Assim, já que o homem se fez um
objeto pode então ser usado, é mais uma mercadoria. Nos programas de reality
show as mercadorias ficam estampadas na tela da TV para o nosso prazer, principalmente
quando são exibidas cenas de humilhações constrangedoras. Nos comerciais são
muitos os exemplos de desvirtuação de valores onde o que realmente importa é o
ter e não o ser. Nas empresas suga-se até a medula dos funcionários e quando
estes podem ser substituídos por outros mais baratos são descartados rapidamente.
Essa
desvalorização do humano acontece também nas famílias. Muitas vezes o diálogo e
a compreensão encontram-se escassos e imperam relacionamentos nos quais um usa
o outro para atingir seus objetivos narcísicos. Vive-se um momento onde o outro
está desprovido de valor e o que vale é o lucro que pode-se ganhar. A era do
lucro e da “esperteza” nos impõe tirar vantagem de tudo, inclusive do próximo.
Como
foi dito acima é através dos relacionamentos que aprendemos a ser humanos.
Gratidão, reparação, amor e paciência não nascem conosco, mas são coisas aprendidas
quando há relações que priorizam essas atitudes e pensamentos. Ou seja, um
trabalho de reeducação dos nossos valores se faz necessário. E é um trabalho de
todos.
Conhecer
e analisar a nossa história de vida é um possível meio de sair dessa posição de
objeto e passarmos a de sujeito. Pois isto implica a reflexão sobre o que
fizeram conosco e o que nós fazemos conosco e com os outros e daí mudar o que
precisa ser mudado. Começar a dizer não a situações perversas e criar novas
posições onde o humano possa realmente nascer. Só conhecendo as origens de
nossas atitudes podemos criar recursos para nos inovar. Uma só pessoa mudando
suas atitudes pode ser o começo de uma grande mudança no mundo. Há um ditado
que diz “uma andorinha só não faz verão”, mas eu prefiro uma frase de Gandhi muito
mais verdadeira e poderosa: “Tudo o que fizeres de bem no mundo será pouco, mas
mesmo assim é importante que você o faça”.
Maio de 2014.
Ultimamente tenho visto o quanto o
sofrimento mental vem sendo mal compreendido. É interessante notar que todas as
tecnologias criadas que melhoraram tanto nossas vidas, deixando-as mais fáceis
e confortáveis, não diminuiu em nada a questão do sofrimento mental. Até mesmo
os remédios psiquiátricos de última geração vieram apenas como paliativos, mas
não são uma solução definitiva. Na era em que vivemos, na qual tudo é para
ontem e as soluções se apresentam prontas, o sofrimento psicológico parece ser
um paradoxo. Passa a ser incansavelmente combatido, mas não pensado. Tentam
exterminá-lo, mas não o compreendem. Mas será que o sofrimento mental é um
vilão tão mau assim?
Penso que não. A vida está repleta de sofrimentos sejam psicológicos ou físicos: envelhecemos, adoecemos, nos apaixonamos e nos decepcionamos, temos ódio, inveja... Em qualquer dimensão da vida humana há existência do sofrimento. Aqueles sofrimentos que podem ser “curados” pelos medicamentos e cirurgias ou por qualquer outro meio externo tudo fica bem. Mas o que fazer com aquilo que é despertado em nossas mentes e nos angustia? Como lidar com isso?
Quando o sofrimento é psicológico não temos como nos livrar dele facilmente. Está
A única saída possível é aceitar esse sofrimento para poder pensá-lo, elaborá-lo e transformá-lo em matéria prima para o nosso crescimento. Como já dizia um ditado antigo “A privação é mãe da criação” e o sofrimento psicológico é uma privação da mente. É quando não podemos contar com recursos internos para lidar com nossas angústias de uma forma mais eficaz. É quando ficamos presos a um determinado tipo de atitude e visão de mundo que nos causa dissabor e desesperança. É quando nos sentimos fracos e impotentes para enfrentar viver nossa vida. Mas todas essas privações podem ser justamente aquilo que nos impele para frente, para a criação e transformação. Quando passamos a ficar incomodados com o que nosso presente nos apresenta e procuramos nos transformar e melhorar. Enfim, quando nos desacomodamos para seguir em frente em busca de uma vida que tenha significado.
As pessoas mais experientes são aquelas que passaram por muitas provações e, em vez de sucumbirem e se entregarem à derrota e lamentação, usaram da própria experiência de sofrimento para se transformarem em pessoas mais fortes e preparadas para a vida.
E como fazer isso? Não há uma receita milagrosa. Esse processo de transformação se dá na medida em que a pessoa se permite viver a vida com todo o sofrimento que ela traz. Alguns poucos conseguem fazer isso sozinhos. Tiveram uma boa base e têm recursos que os ajudam nessa empreitada. Muitos outros precisam de ajuda. A psicoterapia psicanalítica é uma dessas possíveis ajudas. Ela permite que uma pessoa tome esse caminho de acolher as próprias dores sem recorrer a mecanismos de fuga e de respostas prontas. Permite que a pessoa reconstrua sua vida através de outras perspectivas e encontre as suas respostas. É difícil e laborioso esse caminho, mas usar do nosso próprio sofrimento como instrumento de enriquecimento pessoal é o único que possibilita uma vida digna e mais prazerosa.
Abril de 2014.
Sylvio do Amaral Schreiner
Psicoterapeuta. Atende em consultório em Londrina. Um grande apaixonado pela psicanálise, literatura, cinema e artes em geral.
Possui o Blog Mundo Vivo, onde escreve com regularidade.
O textos de Sylvio são publicados aqui mensalmente.
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